A saúde na UTI
Levantamento promovido pela Famurs revela que atendimento em saúde pública corre risco de paralisação em algumas cidades do interior do Estado. Piratini acumula dívida de R$ 270 milhões com as prefeituras. Atrasos se arrastam desde 2014.
Uma pesquisa realizada pela Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) constatou que a irregularidade na transferência de recursos pelo Estado afeta a política pública de saúde em grande parte das cidades gaúchas. Dos 164 municípios que responderam o questionário, 159 (96.9%) afirmaram que os atrasos comprometem os atendimentos e oneram as prefeituras. Elaborado em maio de 2016, o estudo também indica que as 38% das prefeituras também sofre com atrasos e cortes do governo federal.
Farmácia Básica e Estratégia de Saúde da Família estão, segundo os gestores municipais, entre os programas mais prejudicados. Também são afetados o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), o Programa de Agentes Comunitários e o programa Primeira Infância Melhor (PIM), entre outros. Hoje, a dívida do governo gaúcho com as prefeituras na área da saúde é de R$ 270 milhões. O montante não contempla os repasses em atraso do Piratini com os hospitais.
Neste ano, os municípios receberam apenas os repasses referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março. Entre os principais problemas apontados estão redução na oferta de consultas, falta de combustível para transporte de pacientes até grandes hospitais, suspensão de atendimentos médicos e atrasos de salário. Para cobrir o rombo e evitar o colapso na saúde pública, prefeitos suspendem obras e investimentos, retiram verbas de outras áreas e apelam para a utilização de recursos próprios.
Em dezembro do ano passado, diante da mobilização da Famurs, o governador do RS, José Ivo Sartori, concordou em pagar, em 24 vezes, o débito de R$ 291 milhões com os municípios gaúchos na área da saúde. Esse era o recurso que não havia sido repassado às prefeituras em 2014 e 2015. Porém, os municípios estão sofrendo com a inconstância nesses repasses. A primeira parcela de R$ 12 milhões, que deveria ter sido depositada até 31 de janeiro de 2016, entrou nos cofres dos municípios em meados de fevereiro. O problema se repetiu com os valores de março e abril. As prefeituras ainda aguardam o repasse de maio. “Quando o dinheiro do Estado não chega no prazo, é o gestor municipal que precisa correr e conseguir recursos para garantir que a população não fique sem atendimento. A lei determina que os municípios apliquem 15% do orçamento em saúde. Muitas prefeituras gaúchas já investem mais de 20% de tudo que arrecadam para cuidar das pessoas”, explica o presidente da Famurs, Luiz Carlos Folador.
Diante das dificuldades com os repasses do Estado, pelo menos 34 municípios já recorreram à Justiça para receber em dia os recursos da saúde. São os casos, entre outros, de Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo. “Diante da falta de um calendário de pagamentos e da necessidade de manter as políticas de saúde, os prefeitos têm procurado judicializar a questão. É um movimento que ganha força”, avalia o assessor da Área Técnica de Saúde da Federação Paulo Azeredo.
“Um programa está em dia. Dois ou três estão atrasados”
A prefeitura de Alegrete espera receber os quase R$ 2 milhões que o Estado lhe deve na área da saúde. Tratam-se de recursos para a aquisição de remédios que não são repassados ao município desde março deste ano. Como consequência, a cidade registra falta de medicamentos para uso contínuo e de saúde mental. “O município tem feito um esforço para manter a política pública de saúde”, explica a secretaria Adelina Tubino.
Devido aos atrasos do governo estadual, a Santa Casa de Caridade do município restringiu os atendimentos em saúde mental, endocrinologia, proctologia e traumatologia. A situação só não se agravou ainda mais porque a cidade da Fronteira Oeste injetou recursos na operação do hospital. Para receber a contrapartida do Estado e garantir o funcionamento da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), a prefeitura precisou recorrer à Justiça. Alegrete aplica entre 20% e 22% do orçamento em saúde.
A prefeitura de Ajuricaba, no Planalto Médio, tem se esforçado para garantir que a população tenha os medicamentos de que necessita. “O pagamento da Farmácia Básica, de responsabilidade do Estado, está atrasado desde o início de 2016. A prefeitura tem tirado recursos do orçamento para não deixar a população sem remédios”, explica o secretário de saúde Sandro Dias. A escassez de recursos também afeta o transporte dos pacientes aos hospitais de referência da região. Na área da saúde, o governo do RS deve aproximadamente R$ 500 mil ao município.
No Nordeste Riograndense, Cacique Doble sofre com a intermitência dos repasses estaduais. “Os atrasos são normais. Às vezes, demora até seis meses. Um programa está em dia. Dois ou três estão atrasados”, observa o vice-prefeito Aldacir Manfron. A prefeitura tem procurado equacionar a falta de medicamentos.
“Se o Estado e União não auxiliarem os municípios, teremos fechamento de hospitais.”
Apesar de investir 31% do orçamento em saúde, o município de Osório, no Litoral Norte, não está livre dos problemas provocados pelo atraso nos repasses de recursos. A principal preocupação hoje é o Hospital São Vicente de Paulo, que tem a receber do governo gaúcho R$ 1,1 milhão em repasses atrasados. Em função das dificuldades econômicas, a unidade já não tem mais plantão obstétrico nos fins de semana. Sem receber desde janeiro, muitos profissionais pediram demissão. A unidade também não realiza cirurgias eletivas. “Se não tiver um olhar do Estado para a situação dos hospitais filantrópicos, mais hospitais vão fechar”, lamenta o secretário de saúde Márcio Araújo. Hoje, a prefeitura já investe R$ 409 mil por mês no hospital.
A prefeitura de Ipê, nos Campos de Cima da Serra, precisou aplicar um volume maior de recursos próprios para não deixar a população sem atendimento. “Hoje, é preciso custear os hospitais. Isto onera o município. Em 2014, a prefeitura repassou R$ 260 mil para o hospital São José, em Antônio Prado. Em 2015, foi preciso investir R$ 380 mil para suprir o que o Estado não repassou”, explica a secretária de saúde de Ipê, Vera Lúcia de Souza. O Piratini fica até seis meses sem depositar qualquer recurso para o município na área da saúde.
Na região Celeiro, a administração de Chiapetta tem feito malabarismo para manter as operações do único hospital da cidade. “Em outubro termina o dinheiro, não sei o que farei em novembro e dezembro para manter a estrutura funcionando”, lamenta o prefeito Osmar Kuhn, que também preside a Comissão de Municípios com Hospitais de Pequeno Porte (HPPs). Além do atraso, o dirigente reclama que o valor repassado pelo Estado é insuficiente. Situação que obriga a prefeitura a retirar do orçamento do município recursos para manter as ações de saúde. Como consequência, as áreas de transporte e assistência social recebem um volume menor de investimentos. Osmar Kuhn projeta um cenário preocupante para os próximos meses. “Se o Estado e União não auxiliarem os municípios, teremos fechamento de hospitais”, pondera.
“Há uma demanda reprimida de consultas com especialistas.”
A população de Três Passos e de outros municípios da região Celeiro estão há mais de 40 dias sem ter a possibilidade de consultar com ginecologistas, traumatologistas, neurologistas e ortopedistas. Sem receber desde de janeiro de 2016, os médicos do Hospital de Caridade pediram demissão coletiva. Só funcionam os serviços de urgência e emergência. O Estado está em dívida com o hospital e o município. Se a situação não for regularizada, a UTI pode fechar as portas nos próximos dias. “A gente procura manter os atendimentos nos postos e repassar pacientes para outros hospitais da região, mas há uma demanda reprimida de consultas com especialistas”, avalia a secretária de saúde Márcia Gintzel.
No Vale do Rio Caí, a prefeitura de Maratá tem enfrentado a diminuição o número de profissionais na área da saúde. Outra dificuldade é a falta de medicamentos. “Depois que [um determinado programa] consegue a adesão da população, é preciso investir recursos próprios para manter a iniciativa”, explica a secretária de saúde Gisele Schneider.
“Se não houver contrapartida do Estado, não há como manter os programas.”
Em 2015, o município de São Lourenço do Sul precisou reduzir o número de profissionais em atividade na Estratégia de Saúde da Família (ESF). Hoje, 14 equipes de ESF atuam no município da Zona Sul. Diante dos sucessivos atrasos na transferência de recursos, a prefeitura decidiu obter na Justiça a garantia de que o Piratini vai repassar em dia as verbas para a área da saúde. “Se não houver contrapartida do Estado, não há como manter os programas. Recorrer à Justiça foi uma medida extrema para assegurar o serviço de saúde”, explica o prefeito José Daniel Martins.
União e Estado devem R$ 1,2 milhão para a prefeitura de Tenente Portela. Do governo do RS, o município da região Celeiro recebeu apenas as parcelas de janeiro e fevereiro para a manter os projetos na área da saúde. Diante dos atrasos, foi necessário agir. “O município precisou comprar uma ambulância com recurso próprio. Foi investido R$ 157 mil”, explica a secretária de saúde Micheli Vargas.
Assessoria de Comunicação Social FAMURS